sexta-feira, 27 de abril de 2007

Genético é diferente de hereditário


Caros leitores, dentre os inúmeros comentários que recebi em resposta à minha última coluna (“A maldade é genética?”), alguns chamaram minha atenção.Vou reproduzir um deles aqui, que merece ser esclarecido!“Diego, membro da quadrilha que cometeu o crime que resultou na morte do menino João Hélio, foi entregue pelo próprio pai, em um ato, no mínimo, corajoso. E a genética aí?“ Freqüentemente, quando digo a um casal normal que seu filho tem uma doença genética, eles reagem com uma resposta semelhante: “Como é possível? Não há nenhum caso desses em nossa família!”.E isso é verdade. Se todas as doenças genéticas (e são mais de 7.000) fossem herdadas diretamente dos nossos pais, Adão e Eva deveriam ter sofrido de todas elas, não? As pessoas confundem o termo “genético” com “hereditário”, e é necessário que se esclareça: essas palavras não são sinônimos. Toda doença hereditária, que é transmitida de pais para filhos, é genética, mas nem toda doença genética é hereditária. Muitas das doenças ou características genéticas que temos não foram herdadas dos nossos pais. Elas podem aparecer em um filho nosso pela primeira vez, por uma mutação genética nova (que é uma alteração em um ou mais genes), ou por uma combinação particular de um ou vários genes paternos e maternos, que favorecem o aparecimento daquela característica interagindo com o ambiente. A hemofilia (doença causada por um defeito na coagulação do sangue) ou a acondroplasia (a forma mais comum de nanismo, que torna as pessoas anãs) são exemplos de doenças hereditárias e, portanto, genéticas. Um indivíduo com acondroplasia tem uma probabilidade de 50% de ter um descendente também acondroplásico e assim por diante. Por outro lado, o câncer é um exemplo de doença genética (que ocorre devido a um erro no funcionamento dos nossos genes) que, felizmente, não costuma ser hereditária, isto é, passada de pai para filho. Isso acontece também com outros traços, tais como talento musical, aptidão para esportes ou desvios de comportamento, que obedecem a um tipo de herança chamada multifatorial, porque dependem de vários fatores. Essas características, para serem desenvolvidas, dependem da interação entre os nossos genes (que são vários, cada um com um efeito pequeno) e o ambiente. Basta olhar uma maratona: dentre as muitas pessoas que se submetem a um mesmo treino, poucos atletas conseguem terminar a corrida em pouco mais de 2 horas. Por quê? Além do condicionamento ambiental, essas pessoas têm algumas características inatas, importantes para esse desempenho, como tipo de musculatura, capacidade pulmonar ou reservas de glicogênio, por exemplo. Portanto, além de um super – e específico - treinamento, para ser um campeão, você precisa ter algumas características “impressas” nos seus genes, que podem nem ter sido herdadas dos pais. Por exemplo, não se tem conhecimento de que o pai de Pelé tenha sido um grande futebolista (apesar de ter sido jogador profissional), os pais de Daiane dos Santos, campeões de ginástica olímpica ou os pais do Beethoven, grandes compositores. Do mesmo modo, os pais de bandidos (capazes de cometerem crimes hediondos), são freqüentemente pessoas de bem, incapazes de uma maldade. No caso de crimes hediondos, isto nos leva a uma reflexão maior: se não foi um ambiente desfavorável a causa de uma distorção tão grande de personalidade, como explicar? Será que esses indivíduos são capazes de enxergar ou compreender o valor de uma vida humana? E se eles forem totalmente incapazes de sentir emoções? Mas se realmente existir uma predisposição genética para esses desvios de comportamento, vamos querer punir fetos, como sugere o nosso presidente? Não! Nunca poderemos determinar, em um bebê ou em qualquer indivíduo, a partir da análise dos seus genes, se ele terá desvios de comportamento antes que ele os cometa. Isso porque não poderemos nunca controlar ou prever qual será a situação capaz de desencadear em uma pessoa uma "fúria assassina" ou a realização de um crime hediondo.
Mayana Zatz

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